Está disponível na seção de “Estudos e Pesquisas” do site www.maismulheresnopoderbrasil.com.br o artigo “Caminhos das Discussões Acadêmicas sobre o Tema de Gênero, Mulheres e Política: Em que Momento Estamos?”, de autoria das professoras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Marlise Matos e Danusa Marques.
O artigo traz à tona um conjunto sistematizado de informações a respeito das produções – dissertações e teses defendidas – em pós-graduação do país entre os anos de 2000 a 2008. Também faz uma breve análise dos artigos acadêmicos publicados nos últimos dez anos, entre 2000 e 2009, sobre o tema “participação das mulheres nos espaços de poder” nos dois mais importantes periódicos da área de gênero no Brasil: “Revista de Estudos Feministas” e “Cadernos Pagu”.
As autoras puderam perceber que o tema ainda é periférico no campo acadêmico na produção científica em pós-graduação, sendo bastante recente o crescimento dos trabalhos sobre os respectivos temas nas áreas de Sociologia e Ciência Política.
Dessa forma, segundo Marlise Matos e Danusa Marques, “se pode então afirmar que alguns percalços no processo de formação da cidadania política feminina também têm a ver com débitos neste sentido: o das produções científico-acadêmicas, já que para aqueles campos onde o tipo de saber produzido seria exatamente o mais especializado nestas temáticas (especialmente na Ciência Política) o estudo sistemático em nível de pós-graduação no país tem apresentado pouco impacto sobre o volume das produções.
São muitas as “pedras no caminho” e elas têm, de fato, influenciado o jogo político-democrático brasileiro na direção do exercício político por chaves, regras e atores majoritariamente masculinos”.
A presença feminina nos espaços de poder e decisão vem crescendo, mas a passos lentos. “Ao longo de 73 anos (1936-2009) a representação feminina passou de 1% para 9%: com todas as intensas e duradouras transformações políticas, econômicas, sociais e culturais ocorridas no Brasil ao longo deste mesmo período, é extremamente desproporcional a participação político-institucional das mulheres, contrastando, inclusive, com a sua significativa presença em outras áreas.
As mulheres são hoje, no Brasil, 51,3% da população, totalizam 42,7% da população economicamente ativa, 26,8% são ‘pessoas de referência’ dos domicílios brasileiros, e 51,2% do eleitorado nacional”.
A partir destes dados, as pesquisadoras se perguntam por que, então, a presença das mulheres nos poderes decisórios tem avançado tão lentamente?
Qual é o impacto disto para o exercício de cidadania política das mulheres brasileiras?
Será que as pesquisas e trabalhos acadêmicos no Brasil têm, efetivamente, buscado respostas para estas perguntas?
“As perguntas estratégicas e o alcance das respostas poderia e podem fazer avançar e transformar este estado tão precário de ocupação dos espaços de poder pelas mulheres”, afirmam.
Para a pesquisa, foram analisados os resultados da busca por Teses e Dissertações defendidas em diferentes áreas do conhecimento e disciplinares e registradas no Banco de Dados da CAPES para o período de 2000 a 2008.
Como filtros para a pesquisa foram empregados os critérios de busca “Mulheres Poder”, “Feminismo Política” e “Gênero Política”. Sob tal critério, foram selecionadas 385 teses e dissertações, uma fração bastante pequena entre o universo de titulações, as 385 produções selecionadas correspondem a 0,13%.
Além de percentualmente pouco representativas, são as mulheres as principais pesquisadoras da temática, 90,9% das autorias. Tais estudos também estão concentrados nas produções de pós-graduação do primeiro nível: as Dissertações de Mestrado (74,5%).
Contudo, o artigo ressalva que “a distribuição dos trabalhos por nível acompanha a distribuição geral das titulações de discentes: 76,1% no Mestrado e 23,9% no Doutorado”.
E, do cruzamento entre estas duas variáveis, “verifica-se que no nível de Doutorado tende a existir uma maior concentração da produção de Teses nas mãos das autoras, ainda mais do que no nível de Mestrado”.
A boa notícia fica por conta da constatação de que há uma tendência de aumento das produções especialmente a partir de 2007, podendo sinalizar para o crescimento deste tipo de produção acadêmica.
Além de serem as principais autoras, como citado acima, a maioria das orientadoras de pesquisas na temática de “mulheres e poder” é mulher, 65,9% nas Dissertações de Mestrado e 68,4% nas Teses de Doutorado.
Entre as áreas de concentração de pesquisa, 14,8% estão na História, 11,7% na Sociologia e 9,9% na Educação, seguida da habilitação em Ciências Sociais (8,6%), em Psicologia (5,5%) e em Serviço Social (5,5%). Tais matérias concentram 56% das áreas disciplinares que acolheram tais produções, ressaltando que “estas são também as áreas profissionais que historicamente mais concentram o público feminino na formação do ensino superior brasileiro”. Nas habilitações em Ciência Política, o percentual é de apenas 3,1%, o que surpreende, pois “pareceria óbvio que esta seria uma habilitação que, por vocação, deveria estar mais permeada aos estudos e às pesquisas nesta área”.
Predominantemente são as Instituições da região Sul e Sudeste do país que concentram mais de 40% destas produções, sendo tal concentração ainda maior no eixo Rio-São Paulo, que detêm mais de 44% desta produção.
Quanto ao levantamento de artigos nos dois principais periódicos da área dos Estudos de Gênero (“Revista de Estudos Feministas” e “Cadernos Pagu”), são referentes aos artigos publicados entre 2000 e 2009, que foram analisados e classificados, através de análise dos resumos disponíveis no sítio do Instituto de Estudos de Gênero da UFSC.
O total de artigos publicados entre 2000 e 2009 nos dois periódicos é de 823, sendo 603 publicados na “Revista de Estudos Feministas” (em 26 números) e 220 na “Cadernos Pagu” (em 18 volumes).
Deste total, 178 (21,6%) são artigos que tratam sobre a participação das mulheres nos espaços de poder.
A “Revista de Estudos Feministas” publicou a maior parte destes artigos, 86%, sendo que a “Cadernos Pagu” apresentou somente 25 artigos (14%) que trataram sobre o tema desta pesquisa. Dos 178 artigos selecionados para análise, há novamente uma concentração na autoria feminina: apenas 12 artigos, 6 em cada uma das revistas, foram escritos por homens.
Observa-se que os picos de artigos desta temática da “Revista de Estudos Feministas” ocorreram entre os anos de 2003, 2004 e 2008; e se referem principalmente a Dossiês específicos sobre publicações feministas na área (em 2003 e 2008) ou sobre a participação das mulheres no Fórum Social Mundial em 2004.
A distribuição por unidades da federação nos mostra uma concentração de artigos em São Paulo, Santa Catarina e Distrito Federal.
Por regiões do país, observa-se a predominância também nas regiões do Sudeste e Sul.
“As duas regiões, juntas, concentram um percentual alto das produções amostradas: 82,1% de todas as ocorrências. Deste modo, Sul, Sudeste (excetuando-se Espírito Santo) e Distrito Federal concentram quase o total das publicações: 94,3% de todas as ocorrências”.
Segundo as professoras da UFMG, “de maneira geral, grande parte dos artigos trata sobre questões relacionadas aos movimentos sociais, à luta pela efetividade de direitos e por uma cidadania ativa, às reflexões sobre o próprio movimento feminista, ao ativismo para o empoderamento de mulheres e às intersecções entre raça e gênero (especialmente com reflexões sobre os movimentos de mulheres negras), entre outros, o que pode ser observado também dentre as temáticas secundárias apresentadas nos mesmos artigos.
O grande número de temáticas vinculadas à ‘teoria feminista’ e às ‘organizações internacionais’ como temáticas secundárias se deve à presença dos Dossiês sobre publicações feministas e sobre o Fórum Social Mundial, ambos publicados pela ‘Revista de Estudos Feministas’”.
As autoras concluem que, em seu modo de entender, há regime de expansão do interesse e, consequentemente, da produção no país, tanto na autoria propriamente dita quanto na orientação dos trabalhos sobre “mulheres, gênero e poder”, produzido principalmente por mulheres.
Entretanto, elas ressaltam que esta feminização da pesquisa é preocupante.
“Se entendermos que os desafios que estão envolvidos no estudo e na pesquisa destes importantes temas extrapolam, e muito, uma agenda propriamente feminista, feminina ou das mulheres, se endereçando a problemas políticos e sociais que pertencem a toda a sociedade brasileira e mesmo à qualidade da democracia que se está a construir no país, termos majoritariamente as mulheres focalizando tais problemas pode gerar a já conhecida e recorrente situação de ‘guetificação’ da temática’”.
Tal “guetificação” da temática “seria um risco eminente para um outro passo muito próximo, o do desempoderamento desta área de conhecimento. Ao se delimitar o ‘seu espaço’ – feminino – por consequência, também se restringe, e muito, sua capacidade efetiva de vir a transformar: seja o próprio conhecimento, seja a realidade, perseverando um diálogo que às vezes correria o sério risco de se tornar um monólogo entre, para e através de mulheres”.
Afirmam ser “estratégico que tenhamos num futuro próximo um volume mais significativo de homens neste campo de conhecimento: seja como autores, seja como orientadores”.
As professoras também questionam a concentração regional no Sul e Sudeste, assim como em Instituições específicas (e nas grandes universidades como USP, UNICAMP, UFRJ, PUC-SP e UFSC, à exceção da UnB que não está localizada nestas regiões).
Com relação aos artigos publicados nas duas Revistas especializadas aqui analisadas, afirmam ser gritante a sua endogenia.
“As revistas claramente tendem a publicar artigos de pesquisadores que estão institucionalmente vinculados à instituição sede de publicação das Revistas e também das instituições do seu relativo entorno”.
“Principalmente tendo em vista o espaço editorial limitado que temos no país, é preciso questionar a forte concentração institucional e regional dos periódicos, porque a endogenia pode alimentar um ciclo perverso que fecha portas a novas/os autoras/es e segue legitimando o trabalho de apenas algumas instituições (visto que mais publicações são critérios para a liberação de novos recursos para pesquisas, que futuramente se traduzirão em mais artigos, favorecendo a concentração de financiamentos) e autoras/es”.
Confira na íntegra o artigo “Caminhos das Discussões Acadêmicas sobre o Tema de Gênero, Mulheres e Política: Em que Momento Estamos?”
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