Por Patrícia Rangel - Cfemea - A reforma eleitoral foi aprovada em 16/09, estabelecendo novas regras para as eleições do ano que vem e os futuros pleitos. A última etapa da tramitação do projeto foi realizada em tempo recorde: em 15/09, o projeto passou no Senado e, no dia seguinte, já havia sido votado na Câmara, que rejeitou quase todas as alterações da Câmara Alta e encaminhou o texto final para ser sancionado pelo Presidente da República.
Graças à atuação da Comissão Tripartite instituída pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) para a revisão de Lei 9.504/1997, da Bancada Feminina no Congresso Nacional e do movimento feminista e de mulheres, foi possível garantir algumas ações afirmativas para as mulheres. Apesar de não ser a reforma política esperada pelo feminismo e pelos setores sociais que lutam por uma transformação ampla das instituições democráticas, algumas das novas regras podem contribuir para elevar a representação política feminina.
O que as mulheres ganham?
Com as novas normas para as eleições, os partidos serão obrigados a destinar 5% do Fundo Partidário à formação política das mulheres, assim como 10% do tempo de propaganda partidária (fora de anos eleitorais) para promover e difundir a participação feminina. Haverá punição para o partido que não cumprir a regra dos 5%: se não destinar esse percentual, deverá acrescentar mais 2,5% dos recursos do fundo no ano.
Além disso, houve uma alteração no parágrafo terceiro do artigo 10 da Lei 9.504/1997, que estabelece o número de vagas de candidaturas que cada partido ou coligação deve destinar para cada sexo - dispositivo conhecido como “lei de cotas para mulheres”. Em vez de “deverá reservar” 30% das vagas de , como está escrito hoje na lei, a reforma estabeleceu o termo “preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo”, o que enfatiza o caráter obrigatório do dispositivo.
Um breve histórico da tramitação
O trabalho pela reforma eleitoral começou em meados desse ano, quando o presidente da Câmara dos Deputados (Michel Temer) designou um grupo de parlamentares sob relatoria do deputado Flávio Dino (PCdoB-MA) para esta tarefa. O projeto, quando ainda estava sendo construído, recebeu críticas da sociedade civil organizada. As redes e articulações que integram a Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político (www.reformapolitica.org.br) avaliaram que o conteúdo sugerido estava limitado a uma reforma eleitoral estrita, não correspondendo a uma reforma política necessária. A Comissão Tripartite também se manifestou, propondo medidas que viabilizassem um incremento na participação política de mulheres e negras/os.
A Bancada Feminina e a Comissão Tripartite para revisão da Lei de Cotas apresentaram ao grupo de líderes uma proposta bastante plausível: 10% dos recursos do Fundo Partidário para promoção da participação política das mulheres; 20% do tempo de propaganda partidária (inicialmente, 30% para se adequar aos 30% das cotas); obrigatoriedade da aplicação da cota de 30% para candidaturas de mulheres e punição aos partidos que não cumprirem cotas – medida apoiada por 86% da população (IBOPE 2009). Além disso, sugeriram a inclusão do quesito raça/cor nas fichas de candidatura do TSE, dada a necessidade de gerar dados estatísticos sobre a participação de negras/os e indígenas nas eleições (e, posteriormente, de políticas para combater a sub-representação destes). A sugestão, contudo, foi rejeitada.
Nos momentos prévios à votação do projeto, militantes feministas ocuparam o Salão Verde da Câmara dos Deputados fantasiadas de sufragistas. Chamaram a atenção dos/as parlamentares para suas reivindicações sobre a Reforma Política: lista fechada, alternância de sexo, financiamento público exclusivo e mais ações afirmativas. Elas queriam demonstrar que, quase cem anos depois de começar a demandar o sufrágio universal, as mulheres ainda pedem espaço na política institucional. Ou seja, as mulheres conquistaram o direito de votar, mas não de ser votadas.
Apesar dos esforços, o que passou pelo Plenário da Câmara, no dia 08/07, foi o remendo de reforma encontrado no Projeto de Lei 5.498/09. Após votação no Plenário, fez-se necessário criticar a ausência do atendimento às demandas feministas denunciar os acordos entre as lideranças dos partidos que reduziram propostas provenientes da sociedade, a exemplo das apresentadas pela Bancada Feminina, com o apoio das integrantes da Comissão Tripartite. O que passou foi: 5% dos recursos do Fundo Partidário (mais multa de 2,5% em caso de descumprimento); alteração da redação da lei de cotas e 10% do tempo de propaganda partidária. Os percentuais aprovados foram menores, mas foi possível garantir algum grau de incentivo à participação feminina, que é avaliado como avanço.
Aprovada na Câmara, a reforma seguiu para o Senado como SF PLC 141/2009. Durante o debate acerca do projeto, diversas emendas ameaçaram os avanços garantidos, como as do Senador Arthur Virgílio (líder do PSDB), que sugeriu reduzir o percentual do Fundo Partidário destinado às instâncias de mulheres de 5% para 5% de 20% do fundo (ver http://legis.senado.gov.br/mate-pdf/63872.pdf); e cortar os 10% de propaganda partidária que seriam destinados às mulheres (ver http://legis.senado.gov.br/mate-pdf/63874.pdf).
Ainda assim, o movimento feminista se manteve firme na proposta, articulado na Comissão Tripartite e em diálogo com a Bancada Feminina. Juntas, essas articulações acompanharam as audiências, as reuniões em comissões e tentaram influenciar os senadores de forma a garantir mais direitos para as mulheres. Surtiu efeito. A versão do texto aprovada pelo Senado em 15/09 incluiu emendas que elevaram a reserva do Fundo Partidário para 10% (mais especificamente, metade dos 20% do Fundo destinados a “estudos e pesquisas, doutrinação e educação política”) e que aperfeiçoaram a redação da “lei de cotas”, alterando o texto para: “do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas registradas de cada sexo”.
Contudo, quando o projeto voltou para a Câmara, somente três das 67 emendas apresentadas no Senado foram incorporadas, todas em matérias relacionadas à internet. Argumentando urgência de tempo para a entrada em vigor já para as eleições de 2010, os deputados votaram e aprovaram a reforma em 16/09, ignorando as alterações favoráveis às mulheres que foram feitas no Senado.
Outras iniciativas, outros processo em curso
Paralelamente ao processo de avaliação e votação da reforma eleitoral, a Frente Parlamentar pela Reforma Política com Participação Popular convocou, em 12/08, uma audiência pública na Comissão de Legislação Participativa (CLP) da Câmara dos Deputados. Na ocasião, foi feito ato de entrega da Sugestão de Projeto de Lei de Reforma Política produzido pela Frente. Integrante da Frente, o CFEMEA teve direito à fala, na qual ressaltou a relevância da proposta e a necessidade de se fazer uma reforma política ampla para incluir as mulheres e outros segmentos excluídos da política, de forma a tornar nosso sistema político-eleitoral realmente democrático e laico. Estiveram presentes representantes da AMB - Articulação de Mulheres Brasileiras, do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e do CFEMEA.
Pouco mais de um mês depois, em 17/09, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 590/06 foi aprovada por unanimidade na Comissão Especial da Representação Proporcional da Mesa Diretora. Esta PEC, de autoria da deputada Luiza Erundina (PSB-SP), estabelece que haja representação proporcional dos sexos nas Mesas Diretoras da Câmara, do Senado e de todas as comissões das Casas (permanentes ou temporárias). A proposição legislativa segue agora para votação em Plenário na Câmara dos Deputados.
Expectativas para as próximas eleições
Essas conquistas para as mulheres na reforma eleitoral, apesar de não suficientes, são necessárias para tentar alterar a situação de marginalização política da coletividade feminina. Elas foram alcançadas graças à atuação firme da Comissão Tripartite, da Bancada Feminina e do movimento feminista, representam um avanço para a participação política das mulheres.
Vamos ao exemplo do percentual de 5% do Fundo Partidário que deverá ser destinado à promoção da participação política feminina. Além do valor simbólico que a medida exerce, será possível destinar milhares de reais por ano, mesmo nos menores partidos, a atividades que promovam a participação feminina, como eventos de formação política, congressos, encontros, atos. A multa de 2,5% para os partidos que violarem a norma servirá de incentivo forte ao seu cumprimento. O tempo de propaganda partidária a ser utilizado para o mesmo fim, apesar de ser muito baixo (10% do total), é um compromisso que os partidos terão de cumprir e, portanto, exercem uma função simbólica. Sobre a alteração da redação no artigo que estabelece as cotas, esta representou especial avanço por ser uma determinação explícita de que ao menos 30% das candidaturas lançadas pelo partido devem ser do sexo feminino.
O desafio agora será fazer com que os partidos políticos cumpram os compromissos assumidos neste processo. Além disso, os movimentos sociais deverão continuar insistindo para alcançar a reforma que queremos, capaz de resolver problemas estruturais no sistema de votação, tais quais a sub-representação das mulheres; a forma de financiamento das campanhas; o desvirtuamento da representação proporcional no que se refere à representação federativa; e a exclusão dos espaços de poder provocada pelo racismo.
Ainda que representem avanço para a participação feminina e a democracia, as ações afirmativas para mulheres que passaram no projeto teriam mais impacto se fossem acompanhadas por mudanças estruturais, como a reserva de vagas no próprio parlamento (e não em candidaturas) ou a lista fechada pré-ordenada com alternância paritária de sexo, o financiamento público exclusivo de campanha e a fidelidade partidária. Desta forma, seria possível alcançar patamares de representação feminina compatíveis com a participação das mulheres na sociedade.
Por isso, enquanto movimento social, interessa-nos uma Reforma Política que transforme as relações de dominação e discriminação que estruturam o sistema político brasileiro. Queremos radicalizar a democracia, superar as desigualdades sociais e econômicas, acabar com a injustiça de gênero, de raça e de classe. Queremos transformar o mundo e o feminismo é um caminho.
Patrícia Rangel - cientista politíca e assessora do CFEMEA
fonte: www.cfemea.org.br
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