quarta-feira, 1 de julho de 2009

DIREITOS REPRODUTIVOS E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

De 23 a 25 de março, o Ministério da Saúde realizou em Brasília o I Seminário de Saúde Sexual e Reprodutiva e Pessoas com Deficiência. O evento, que contou com o apoio do UNFPA, reuniu dezenas de pessoas, incluindo autoridades governamentais, gestores dos setores público e privado, profissionais da área, representantes de ONGs e pessoas com deficiência.

A abertura ficou a cargo dos organizadores do evento e das principais autoridades presentes. Em seguida, a Dra. Ana Rita de Paula mostrou a história dos dois temas em foco, ou seja, Deficiência e Sexualidade. Essa introdução facilitou a compreensão e o envolvimento da platéia nas palestras que se seguiram.

Outro elemento de grande importância presente no Seminário foi o paralelo estabelecido entre o grupo de pessoas vivendo com HIV e aids e o das pessoas com deficiência em termos de percurso e enfrentamento de dificuldades e alcance de vitórias. A palestra de Roberto Volpe (mais conhecido como Beto Volpe) na mesa redonda Maneiras de Amar, Formas de Amor, além de trazer contribuições inestimáveis em relação a conceitos e posturas filosóficas, foi um momento de coragem, otimismo e bom humor. Beto é ativista do movimento de luta contra aids e membro da rede nacional de pessoas vivendo com HIV e aids.

Ainda que seu discurso tenha sido norteado por muito bom humor, a mensagem transmitida foi de profunda seriedade e reflexão. Sua história revelou a força de um ser que não esmorece diante do agravamento de sua doença, nem tampouco frente ao sofrimento. O que fica para todos nós que o escutamos falar é a sua mensagem final: “Não desistam nunca da vida, não tenham medo do amanhã. O desafio leva ao sucesso”.

Embora muitos especialistas competentes tenham exposto métodos e técnicas para lidar com dificuldades enfrentadas pelas pessoas com deficiência, a fala delas próprias – e foram muitas – completou o significado das metodologias apresentadas. As pessoas com deficiências soltaram a voz e revelaram seus anseios e suas dificuldades para viver sua vida sexual.

A mesa redonda Cumplicidade mostrou os conceitos, dúvidas e temores de pais e mães de pessoas com deficiência, principalmente deficiência intelectual. Tal realidade foi, mais tarde, demonstrada in loco pelas falas de dois jovens: uma moça de São Paulo que tem Síndrome de Down e um rapaz do Ceará.

Eles foram trazidos pelo Projeto PIPAS, subsidiado pela APTA e apoiado pela UNESCO, para participar da mesa-redonda Vida de adolescente: Saúde Sexual e Deficiência. Sua apresentação levantou de tal forma o entusiasmo da platéia que foi considerada um dos momentos mais importantes do evento. Podia-se ouvir comentários como: “O deficiente sou eu, não eles”.

Esses jovens mostraram que o real sentido de se viver a sexualidade é o afeto, a solidariedade, o companherismo e a fidelidade do outro para com eles e deles para com seus parceiros.

Ambos narraram experiências de vida real, por meio das quais é possível reconhecer esses valores, hoje tão esquecidos. Ainda, demonstraram ser capazes de se auto-representar perante a sociedade. Por várias vezes esses jovens declararam: “Tenho o direito de amar, ser amado, ter filhos e quero fazer uma família porque sou capaz disso”.

O encontro também mostrou que as pessoas com deficiência clamam por respeito e reconhecimento, por parte da sociedade, de sua capacidade de dar e receber prazer. A mesa-redonda Paternidade/Maternidade possibilitou que mães e pais com deficiência testemunhassem isso, relatando sobre sua vida com filhos, filhas e cônjuges.

Porém, também ficou claro que todas essas atitudes positivas serão mais facilmente construídas se a sociedade tiver mais e mais oportunidades de conviver com a chamada “diferença”.

O último dia do Seminário foi dedicado às oficinas de trabalho, cuja missão foi a de discutir um documento de diretrizes para gestores públicos das três esferas de governo e profissionais de saúde relacionados à promoção do direito à saúde sexual e reprodutiva. O documento de diretrizes foi analisado durante o seminário e será aprimorado a partir das recomendações feitas no evento.

As diretrizes e as ações integradas e intersetoriais que serão desencadeadas estão orientadas pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada pelas Nações Unidas em dezembro de 2006.

Os murais também mereceram destaque no evento de março. O cartunista Ricardo Ferraz retratou em tom crítico e bem humorado as diversas situações por que passa a pessoa com deficiência no seu dia-a-dia. A fotógrafa Vera Albuquerque mostrou com muita criatividade e coragem que a sensualidade pode existir em qualquer corpo, seja ele com deficiência ou não, exibindo fotos artísticas da jornalista e modelo Leandra Migotto Certeza.

Falando em cultura e arte, é importante destacar a apresentação de Kátia Fonseca, jornalista e atriz, vice-presidente do Centro de Vida Independente de Campinas (CVI), de São Paulo. Ela deu um “banho” de performace, caracterizou-se como Toulouse Lautrec e declamou o monólogo “Questões da Vida”!

As falas de pessoas com deficiência foram as que mais mexeram com a platéia. Em 2007, quando o UNFPA promoveu uma consulta em apoio à Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a mesa-redonda de maior impacto foi Vozes da Linha de Frente, que também reuniu pessoas com deficiência de várias partes do mundo.

Nesse sentido, é preciso reafirmar que as pessoas com deficiência precisam estar presentes em todos os trabalhos que disserem respeito a elas, sem absolutamente menosprezar suas contribuições. Que esse seminário seja, pois, o primeiro de muitos passos rumo a uma sociedade para todos, como lembra o slogan: ”Todo mundo junto”.


* Hilda Maria Aloisi é Psicóloga Clínica, Mestre em Psicologia Clínica pela PUC de Campinas, especialista em Reabilitação Vocacional pela SanDiego State University, da Califórnia, e Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Ativista dos direitos das pessoas com deficiência, atualmente é pesquisadora convidada do PAIDEA, grupo de pesquisa da Faculdade de Educação da UNICAMP, pesquisadora e membro fundador do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diversidade (LEPED), também da Faculdade de Educação da UNICAMP, consultora do projeto “Incluir”, do PREAC, UNICAMP.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Mulheres no Brasil

Fundo de Desenvolv. das Nações Unidas para a Mulher

Homens contra a Violência

Pesquise Aqui

Seguidores

Páginas